sexta-feira, 31 de outubro de 2014

O DIA "D" - DE DRUMMOND

Hoje se comemora o Dia "D", de Dummond, em homenagem ao poeta Carlos Drummond de Andrade, cuja data de nascimento se deu em 31 de outubro.

Presto minha humilde homenagem a esse grande poeta brasileiro trazendo, para essa minha página, poema seu considerado por mim como um dos mais belos poemas que escreveu.

Não tecerei análises nem críticas mais amplas. Agora é com você, leitor.


Definitivo

Definitivo, como tudo o que é simples. 
Nossa dor não advém das coisas vividas, 
mas das coisas que foram sonhadas e não se cumpriram. 

Sofremos por quê? Porque automaticamente esquecemos 
o que foi desfrutado e passamos a sofrer pelas nossas projeções 
irrealizadas, por todas as cidades que gostaríamos de ter conhecido ao lado 
do nosso amor e não conhecemos, por todos os filhos que gostaríamos de ter 
tido junto e não tivemos,por todos os shows e livros e silêncios que 
gostaríamos de ter compartilhado, 
e não compartilhamos. 
Por todos os beijos cancelados, pela eternidade. 

Sofremos não porque nosso trabalho é desgastante e paga pouco, mas por todas 
as horas livres que deixamos de ter para ir ao cinema, para conversar com um 
amigo, para nadar, para namorar. 

Sofremos não porque nossa mãe é impaciente conosco, mas por todos os 
momentos em que poderíamos estar confidenciando a ela nossas mais profundas 
angústias se ela estivesse interessada em nos compreender. 

Sofremos não porque nosso time perdeu, mas pela euforia sufocada. 

Sofremos não porque envelhecemos, mas porque o futuro está sendo 
confiscado de nós, impedindo assim que mil aventuras nos aconteçam, 
todas aquelas com as quais sonhamos e nunca chegamos a experimentar. 

Por que sofremos tanto por amor? 
O certo seria a gente não sofrer, apenas agradecer por termos conhecido uma 
pessoa tão bacana, que gerou em nós um sentimento intenso e que nos fez 
companhia por um tempo razoável,um tempo feliz. 

Como aliviar a dor do que não foi vivido? A resposta é simples como um 
verso: 

Se iludindo menos e vivendo mais!!! 
A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida 
está no amor que não damos, nas forças que não usamos, 
na prudência egoísta que nada arrisca, e que, esquivando-se do 
sofrimento,perdemos também a felicidade. 

A dor é inevitável. 
O sofrimento é opcional...

Carlos Drummond de Andrade (31/10/1902 - 17/08/1987)

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

SABER E FAZER, MESMO NA INCOMPREENSÃO


Trabalhei no Colégio Christus por 19 anos. Lá, conheci o professor Ricardo Viana, ou simplesmente Ricardo, ou, ainda, simplesmente Viana, maneiras como eu o chamava. Inquieto e criativo, muito criativo. Talvez por muito criativo, irrequieto.

Ricardo era alguém de muitas ideias, a cabeça sempre "fervendo", sempre lidando com a possibilidade de inovações. Essencialmente amante da literatura, tanto que a ela se dedicava, em leituras, em análises, em estudos, em produção.

Na cabeça do professor Ricardo Viana, o que importava era a formação de seus alunos... pelos caminhos da literatura. Sempre teve consciência de que essa arte nos possibilita muito: por ela, podemos entender a sociedade, nos aproximar dos meandros políticos, observar o alcance danoso dos preconceitos, vislumbrar acontecimentos históricos e suas implicações, visualizar espaços geográficos, sentir o que escritores sentiram, compreender, enfim, as contradições da existência humana. Uma boa obra literária bem explorada descortina o universo em todas as suas dimensões. 

Viana sempre intentava descortinar o universo. Sua prioridade era formar seu estudante.

Convicto de que sua responsabilidade perante seus alunos era não somente informá-los, pensava e realizava aulas as quais superavam a dimensão do convencional, ação que nem sempre era bem compreendida nem por alunos nem por colegas professores nem por gestores. Viana, então, munido de sua capacidade de persuasão e amparado em seu farto conhecimento, usando linguagem simples ia convencendo seus contrários a se tornarem parceiros.

Foi por tudo isso que certa vez entendeu de propor a estudantes do segundo ano do ensino médio sob sua responsabilidade de ensino a realização de pesquisa em torno da obra de autores literários vinculados ao "Regionalismo de 30". Os alunos gostaram da ideia e, aproximadamente três meses depois de lançada a proposta, viram-se duas salas de aula sem as convencionais carteiras para se sentar, mas com maquetes, exposição de livros e de cordel, desenhos, pinturas, caricaturas de autores, resenhas de obras, resumos de obras, vídeos, áudios, entrevistas, música, culinária, convidados... Raquel de Queirós, José Lins do Rego, José Américo de Almeida, Graciliano Ramos, Jorge Amado tiveram suas escritas literárias devassadas. Nossa! Até jornal foi criado para o evento, sempre com o protagonismo dos discentes orientados por Ricardo Viana.

Depoimentos de alunos após aquele acontecimento deram conta de que nunca haviam apreciado tanto literatura quanto naqueles dias de descoberta das temáticas desenvolvidas nas obras, dos costumes apresentados nas obras, das linguagens marcantes das obras, da vida dos autores das obras, das ideologias defendidas nas obras... enfim, nunca tinham aprendido tanto em suas vidas, e estavam sabedores de que aquele momento jamais seria esquecido na existência de cada um. A fundamental revolução acontecida ali: estímulo à pesquisa! Idealização, orientação, organização e realização, em parceria aberta, honesta e sincera com os estudantes: Ricardo Viana!

O sucesso daquele projeto vianiano rompeu o paradigma do ensino puramente tradicional de literatura no Colégio Christus. Tanto que seu acontecimento repercutiu em outros professores e, devido a sua influência, chegou a outras salas de segundo ano; se expandiu do turno da manhã para o turno da tarde; migrou do Christus Central para as outras unidades. De um ano para o outro deixou de ser atividade de um professor apenas e seus alunos desejosos de conhecimentos para se transformar em uma Feira Cultural. Entrou no calendário oficial de atividades da escola.

Devido à inquietude de Ricardo Viana, creio não ser exagero dizer que o ensino de literatura passou a ser melhor na escola, ou pelo menos assim foi para os colegas professores sensíveis à dimensão fabulosa daquele projeto, a ponto de o terem incorporado a sua prática educativa. Seguramente foi por causa da dimensão alcançada por aquele projeto inicialmente desambicioso que a própria Raquel de Queirós, em certo sábado, pela manhã, fez-se presente à Feira Cultural no Christus da Barão de Studart.

É certo que muito mais realizou Ricardo Viana em sua existência. O que faço aqui é apenas um breve registro de um momento muito bom que pude viver a partir de sua coragem, determinação, alegria em fazer algo diferente e positivo.

Um breve registro, pautado já pela saudade que deixa na minha memória entristecida.

De poeta para Poeta: Segue em paz, Viana, e concede com galhardia tua poesia, tua alegria, tua força, tua esperança, tua determinação àqueles que encontrares na dimensão que agora habitas.

Um grande e forte abraço.


Chico (Sérgio) Araujo.
02/10/2014.