- Olha ele
rindo, olha ele rindo...
Ele me dizia
isso toda vez que me via calado, sério, carrancudo, ranzinza. Se chegava meio
que sorrateiramente e, ao mesmo tempo em que repetia a frase, aplicava
insistentes certeiros golpes de cócegas em meu pescoço, em minha cintura, em
minhas costas.
Lembro que em
muitas ocasiões eu trinquei os dentes num esforço quase absurdo para me manter
trombudo, emburrado. Meu deus, mas como ele era insistente: só me largava
quando meu riso aparecia. Pronto, o bem estava feito - o filho desarmado de sua
zanga muitas vezes sem motivo identificado (uma maneira de querer atenção?)
logo em seguida corria pela casa, brincava com seus brinquedos, saia para jogar
futebol com os amigos da vizinhança.
Em domingos,
no quintal da casa da Vozinha, mãe de minha mãe, duas outras falas valiosas:
- Menino,
cuidado pra não cair dessa goiabeira.
E no instante
seguinte:
- Mais em
cima... Aí, em cima da tua cabeça... Vai, é só estirar o braço que você
alcança...
Eu alcançava.
Com cuidado e confiança em mim eu alcançava a goiaba que seria a do desejo
dele.
Quando já mais
crescido, quantas novas lições me ensinou - ele, que apenas concluiu o primário
(para entender a vida, a escola, como a sociedade a concebe, é necessária?). Em
um bar próximo a nossa casa, num sábado desses muitos tantos de nossas vidas,
eu começava uma bebericação de cervejas com um grupo de amigos, quando escuto
aquela voz próxima ao meu ouvido, mas em volume suficiente para todos os
presentes escutarem:
- Paga aí uma
cachaça pra mim.
Voz
reconhecida, olho para trás e vejo meu pai ali, sorrindo, esperando que eu
desse a ordem ao dono do bar:
- Zé Maria,
você ouviu meu pai. Bota aí uma dose pra ele que eu pago.
Cachaça
descida goela abaixo, aquele homem se aproximou de seu filho e, dessa vez,
baixinho, disse em meu ouvido:
- Obrigado. E
aprenda desde já uma coisa: homem que é homem sabe a hora de parar de beber.
Após
cumprimentar todos no bar, saiu, foi para casa, tranquilo, certo de que havia
feito o certo. Um professor ensina, apresenta aos outros seu conhecimento, e
segue seu caminho, consciente de que cada um deve cumprir seu próprio destino.
Meu pai sempre
foi um homem calado, mas de fala curta e certeira. Com os sentidos ia captando
os significados da vida e orientando sua prole pelos caminhos do bem, da
bondade, da verdade, da retidão, do respeito ao outro.
Em 19 de fevereiro
de 1998, meu pai deixou o plano terreno para ter seu descanso eterno. Da
dimensão para onde foi, olha os seus e de lá mesmo contribui um pouco mais no
caminhar de cada um. Eu sei. Eu sinto.
29 de abril é
a data de seu natalício. Hoje eu presto essa minha homenagem a ele. Uma homenagem
que constitui eterno agradecimento, por ter forjado o ser que hoje sou.
Praia de Redonda, na região de Icapuí, onde meu pai, Mário Pereira de Araujo, nasceu. Meu pai amava o mar. |
Sérgio (Chico) Araujo. 01/05/2015.