quarta-feira, 25 de novembro de 2020

Partidas, saudades e lembranças


2020 tem sido um ano muito, muito difícil. Todas as sociedades atestam esse fato. Em todos os lugares há informações diversas sobre isso. O mais impactante, as passagens de pessoas queridas que seguem seu destino passando a ter existência em outro plano. Tantas e tantas e tantas...

Não pela pandemia, mas por motivações mais naturais, duas transições me foram próximas. E a mim e a todos os conhecidos deixaram o vácuo da presença física, mas nos concederam a amplitude da saudade que se dinamiza nas lembranças múltiplas abraçadas em nossa memória. A eles presto agora essa breve e simples homenagem.

Lourdenise Pinheiro Alves - por mim chamada Dona Denise - fez sua máxima viagem há dois dias, contando 102 anos de idade. Em 2001, trouxe a público seu livro Minha vida como professora e alguns versos, publicado pela Editora Cinco Minutos (João Pessoa - Paraíba). Dele transcrevo para cá os seguintes poemas.


À Campina Grande


Campina cidade atraente

De um povo acolhedor

Nunca me passou pela mente

Lá ter um filho doutor


Conta com grandes amigos

Gente de bom coração

Com eles ele reparte

Seu dever, sua vocação


É a terceira vez que venho

À Serra da Borborema

E a ela eu dedico

Este singelo poema


Campina és o orgulho

Desta região Nordeste

És a princesa da serra

Pois para isto nasceste


Como todas as cidades

Tu tens uma tradição

É aqui que se festeja

O mais bonito São João


Tens cultura, tens perfume

Quem nem toda rosa tem

Teu frio e tua verdura

Em minha serra tem também


E por isso me inspirei

Em fazer-te este elogio

Sou cearense e serrana

E como gosto do frio!


Saudades


Tenho saudades da serra

Tenho saudades do rio

tenho saudades do açude

Tenho saudades do frio


Tenho saudades da missa

às seis horas da manhã

E também das procissões

Das quais eu era uma fã


Os passeios pelos sítios

Eram a nossa saída

O banho na cachoeira

As coisas boas da vida


Também tenho saudades

Dos festejos de dezembro

Quermesses e pastoril

Oh! como ainda me lembro

 

José Mário Souza de Araujo (para mim, o Super Zé) fez sua transição em 24 de maio, aos sessenta e um anos de idade. Ontem, contamos seis meses de sua partida. Não era poeta como Dona Denise; mas quanta inspiração em seu modo simples de existir, de viver. A ele escrevi os poemas que a seguir ponho, os quais farão parte do meu livro Entre versos, sombras e assombros.


Retirado


não há palavra

não, não há

não

não

não há

 

então

um silêncio

amargo ruminar

ilha

sem refúgio

 

o que me cerca

é a ausência

 

você me falta


Querença


eu vejo você

o seu caminhar

escuto sua voz

a qualquer hora

momento

vejo

em ciclista pedalando a existência por ruas

 

tudo insiste em me dizer

você conosco está

e não vai sumir

feito sonho que não vinga

e se acaba

 

não, a vida não legou

seus passos no silêncio

não, não há como esquecer

seu abraço, seu sorriso

 

eu resto inquieto

e a sua quietude

de agora

- cujas pupilas minhas

não captam -

me avisa pra cuidar

mais de mim

 

hoje o vento brinca de dançar nas plantas

e o sol meio escondido

nos beija suavemente o rosto

na manhã

 

o final da tarde chora

o céu

e choro eu

minhas lágrimas

minha saudade

.

.

.


Dona Denise e Super Zé: nas saudades e nas lembranças vocês se mantêm vivos em nós.