2020 tem sido um ano muito, muito difícil. Todas as sociedades atestam esse fato. Em todos os lugares há informações diversas sobre isso. O mais impactante, as passagens de pessoas queridas que seguem seu destino passando a ter existência em outro plano. Tantas e tantas e tantas...
Não pela pandemia, mas por motivações mais naturais, duas transições me foram próximas. E a mim e a todos os conhecidos deixaram o vácuo da presença física, mas nos concederam a amplitude da saudade que se dinamiza nas lembranças múltiplas abraçadas em nossa memória. A eles presto agora essa breve e simples homenagem.
Lourdenise Pinheiro Alves - por mim chamada Dona Denise - fez sua máxima viagem há dois dias, contando 102 anos de idade. Em 2001, trouxe a público seu livro Minha vida como professora e alguns versos, publicado pela Editora Cinco Minutos (João Pessoa - Paraíba). Dele transcrevo para cá os seguintes poemas.
À Campina Grande
Campina cidade atraente
De um povo acolhedor
Nunca me passou pela mente
Lá ter um filho doutor
Conta com grandes amigos
Gente de bom coração
Com eles ele reparte
Seu dever, sua vocação
É a terceira vez que venho
À Serra da Borborema
E a ela eu dedico
Este singelo poema
Campina és o orgulho
Desta região Nordeste
És a princesa da serra
Pois para isto nasceste
Como todas as cidades
Tu tens uma tradição
É aqui que se festeja
O mais bonito São João
Tens cultura, tens perfume
Quem nem toda rosa tem
Teu frio e tua verdura
Em minha serra tem também
E por isso me inspirei
Em fazer-te este elogio
Sou cearense e serrana
E como gosto do frio!
Saudades
Tenho saudades da serra
Tenho saudades do rio
tenho saudades do açude
Tenho saudades do frio
Tenho saudades da missa
às seis horas da manhã
E também das procissões
Das quais eu era uma fã
Os passeios pelos sítios
Eram a nossa saída
O banho na cachoeira
As coisas boas da vida
Também tenho saudades
Dos festejos de dezembro
Quermesses e pastoril
Oh! como ainda me lembro
José Mário Souza de Araujo (para mim, o Super Zé) fez sua transição em 24 de maio, aos sessenta e um anos de idade. Ontem, contamos seis meses de sua partida. Não era poeta como Dona Denise; mas quanta inspiração em seu modo simples de existir, de viver. A ele escrevi os poemas que a seguir ponho, os quais farão parte do meu livro Entre versos, sombras e assombros.
Retirado
não há palavra
não, não há
não
não
não há
então
um silêncio
amargo ruminar
ilha
sem refúgio
o que me cerca
é a ausência
você me falta
Querença
eu vejo você
o seu caminhar
escuto sua voz
a qualquer hora
momento
vejo
em ciclista pedalando a existência por ruas
tudo insiste em me dizer
você conosco está
e não vai sumir
feito sonho que não vinga
e se acaba
não, a vida não legou
seus passos no silêncio
não, não há como esquecer
seu abraço, seu sorriso
eu resto inquieto
e a sua quietude
de agora
- cujas pupilas minhas
não captam -
me avisa pra cuidar
mais de mim
hoje o vento brinca de dançar nas plantas
e o sol meio escondido
nos beija suavemente o rosto
na manhã
o final da tarde chora
o céu
e choro eu
minhas lágrimas
minha saudade
.
.
.
Dona Denise e Super Zé: nas saudades e nas lembranças vocês se mantêm vivos em nós.