Fonte: http://obancomental.com/2013/03. Acesso em 30/11/2014.
Meu querido amigo
Kelsen Bravos é uma daquelas fundamentais pessoas tão profundamente preocupadas
em promover a leitura que certamente possui diversas histórias a contar em
torno de sua vivência na busca dessa realização. Não é à toa que ele sempre
está envolvido em cursos de formação de contadores de histórias; na prática da
contação; além de marcar presença, com galhardia, em saraus literários.
É magnífico ver o
brilho em seus olhos quando ele está em ação promotora da leitura entre pessoas
necessitadas dela e com vontade de desenvolvê-la, quando vê que alguém a
alcançou e a dominou. Kelsen Bravos é incansável promotor da leitura e da
cultura em geral (veja-se http://kelsenbravos.blogspot.com.br/),
e lança mão de diversos meios para que isso aconteça. A realização de saraus
está sempre em sua pauta.
Marcos Sampaio,
também querido amigo, é jornalista bastante envolvido com arte e cultura. E
também com leitura! Ah, como é enredado com leitura! É tão amplo esse enredamento
que já não sei se realmente é ele que se abarca da leitura, ou se é ela que
cotidianamente o envolve, literalmente. De tal maneira ficam ambos imbricados,
que, insisto, não sei quem procura o outro, quem segue os passos do outro.
Possibilidades de
leitura, todos encontramos em qualquer lugar: em casa, nas livrarias, nas bibliotecas,
nas ruas... Isso é fato. E em relação ao Marcos Sampaio, leitor inveterado,
nesses espaços, literalmente, a leitura está sempre com ele (ou ele com ela, ou
ambos um com o outro). Inclusive nas calçadas das ruas por onde caminha.
De minha parte,
leitor, quando caminho pelas ruas, observo o trânsito caótico, as pessoas em
suas idas e vindas, apressadas ou não, os estabelecimentos comerciais, os
semáforos, a redução das árvores nas vias, o quase total abandono das praças
públicas, a incontestável redução dos espaços disponíveis ao trânsito das
pessoas, em favor da circulação dos veículos automotores, as mudanças
arquitetônicas por que passa essa cidade, entre outros pontos de observação.
Quando caminho, meu
olhar se concentra na cidade; o de Marcos se entretém... nas palavras! Isso mesmo:
meu querido amigo Marcos Sampaio lê livros enquanto caminha pelas ruas da
cidade. A cada passo, quantas situações impressas nos livros consegue
depreender? Nem imagino. Mas bastam alguns minutos de solta conversa com ele
para termos ciência de estarmos diante de alguém de cultura espetacular,
adquirida em tantas obras já lidas, das mais diversas áreas do conhecimento,
mas principalmente dos campos da literatura e das artes.
Marcos, quando deixa
as calçadas e se põe dentro de algum transporte público, não abandona sua
leitura. Em pé ou sentado na condução que o leva para o trabalho e de lá o
devolve para sua casa, sua visão permanece concentrada em páginas e páginas de
livros em devoração.
Quem conhece Marcos,
sabe dessa sua característica: ler enquanto caminha, enquanto viaja, em pé ou
sentado, em transporte público. Quem o observe, diariamente, em seu caminho
pelas calçadas, também será conhecedor dela, a ponto de reconhecê-la e de revelá-la
de maneira surpreendente.
Foi o que aconteceu
entre Marcos e Seu Dedé, certa manhã.
Seu Dedé é um senhor
aposentado. Costuma ocupar seu tempo bebericando a “bruta” todo dia, o dia
todo. Já cedo da manhã, caminha – camisa no ombro, bermuda jeans, sandálias
havaianas nos pés – de sua casa até um botequim de sua preferência, próximo a
seu lar, e ali se senta em um banquinho rústico, de madeira, enquanto espera a
abertura do estabelecimento.
Durante o tempo em
que espera a janela do bar ser aberta para pedir ao proprietário e amigo seu
primeiro “burrinho” do dia, Seu Dedé vê a vida passando diante de seus olhos,
servindo-se, ainda, dos beneficentes raios de sol matutinos. Seu Dedé observa a
vida em seu ritmo inexpugnável, analisa o trânsito de veículos, contempla
pássaros e árvores em seu redor, olha as pessoas que passam, aprecia o caminhar
cotidiano entre letras de Marcos Sampaio.
“Aprecia” deve ser forma
verbal bastante adequada para a visão de Seu Dedé sobre o hábito leitor de
Marcos.
Tanto que, em certa
manhã, para surpresa de meu amigo jornalista (que jamais atinaria estar sendo
observado em suas concentradas leituras), Seu Dedé, bem à vontade em seu
cantinho de bebericação, interpelou o jovem e compulsivo leitor, naquele exato
momento dispensado de qualquer leitura:
- E aí, rapaz, cadê o
livro?
Marcos Sampaio não me
declarou a resposta dada a Seu Dedé. Mas isso não importa. O que tem relevo é o
fato de se saber que uma pessoa simples, teimosamente adepta rotineira do
consumo de uma cachacinha, a quem não se costuma dar muito crédito por causa de
tal costume, analise os movimentos na cidade, aprecie a resistência da
natureza, vislumbre as pessoas que passam, certamente fazendo de seu dia, mesmo
sem o saberem, um motivo a mais para continuar existindo.
Chico Araujo
30/11/2014