domingo, 9 de novembro de 2014

APÓS O DIA "D", MAIS DE DRUMMOND

Carlos Drummond de Andrade foi poeta de conexão direta com o cotidiano, também enveredando por questões místicas, criando poemas que nos chamam constantemente à reflexão sobre nossa condição humana, sobre nosso ser e fazer em sociedade, sobre nossa condição existencial. Creio que vale a pena ler e reler "José", poema de Alguma poesia, e refletir sobre seus versos. 

Após a leitura, que tal ouvir o poema, cantado na voz inconfundível de Paulo Diniz? 

Eis o endereço: http://www.vagalume.com.br/paulo-diniz/e-agora-jose.html


José
E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?
Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?
E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio – e agora?
Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse…
Mas você não morre,
você é duro, José!
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde? 

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