Olá,
visitante.
Na
excelente obra didática Todos os textos:
uma proposta de produção textual a partir de gêneros e projetos, de William
Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães, 4 ed. volume para o nono ano, na
seção “Agora é a sua vez!” de capítulo em que se estuda o gênero literário conto, os autores propuseram uma
atividade de produção de textos aos alunos que estudam com esse volume da
seguinte maneira:
Apresentamos a seguir o início de
três contos de escritores brasileiros. Escolha um deles e dê continuidade à
narrativa. Se preferir, escreva um conto com um assunto diferente dos
propostos.
Depois
da proposta apresentada, em sequência e logo após conceito de Horacio Quiroga
relativo ao conto literário, Cereja e Magalhães puseram o início de três contos,
sendo o primeiro de Otto Lara Resende, o segundo de Sérgio Sant’Anna (ambos integrantes
do livro Os cem melhores contos
brasileiros do século, organizado
por Italo Moriconi e publicado em 2001), o terceiro de Wander Pirole (incorporado
ao O novo conto brasileiro, obra de
autoria de Malcolm Silverman publicada em 1985).
Dos
três fragmentos selecionados pelos autores da obra didática, transcrevo a
seguir o segundo, o de Sérgio Sant’Anna, para que você, meu leitor, o conheça,
a fim de que compreenda minha motivação para esse meu ato transcritivo, o qual
se tornará mais claro logo mais abaixo.
Ele se encontrava sobre a estreita marquise do 18º andar. Tinha
pulado ali a fim de limpar pelo lado externo as vidraças das salas vazias do
conjunto 1801/5, a serem ocupadas em breve por uma firma de engenharia. Ele era
um empregado recém-contratado da Panamericana
– Serviços Gerais. O fato de haver se sentado à beira da marquise, com as
pernas balançando no espaço, se devera simplesmente a uma pausa para fumar a
metade de cigarro que trouxera no bolso. Ele não queria dispensar este prazer
misturando-o com o trabalho.
Quando viu o ajuntamento de pessoas lá embaixo, apontando mais
ou menos em sua direção, não lhe passou pela cabeça que pudesse ser ele o
centro das atenções. [...]
Conforme
destacamos acima, Cereja e Magalhães propuseram a alunos do nono ano, cujos
estudos de produção textual se realizam com a obra de ambos destinada à
produção de textos, que dessem continuidade a um dos três fragmentos iniciais
de contos dos autores brasileiros supra identificados.
Tenho
um filho de quatorze anos chamado Miguel. Miguel está cursando o nono ano do
ensino fundamental e estuda produção textual com base no volume informado de
Cereja e Magalhães. Em sala de aula, a professora de produção textual de Miguel
pediu que ele e seus colegas realizassem a atividade proposta na seção “Agora é
a sua vez!”, existente no livro com o qual estudam. Miguel selecionou, para
cumprir sua tarefa, o fragmento inicial do conto de Sérgio Sant’Anna. Trago a
você, leitor, a seguir, essa produção de Miguel Araujo.
Ficou confuso, sem saber o que fazer. Ouviu um homem de meia
idade gritar em sua direção:
- Não faça isso, pense nos seus filhos! Quer deixá-los sem pai?!
“Mas eu nem tenho filhos”, pensou o empregado. Não estava
entendendo aquela situação, afinal, o que ele havia feito de errado? Era apenas
um trabalhador honesto tentando se sustentar e arranjar dinheiro suficiente
para pagar o tratamento de sua mãe, que possuía câncer. Existe algo de errado
nisso?
Foi então que juntou as peças do quebra-cabeças: aquelas pessoas
na calçada achavam que ele se suicidaria. Tentou explicar que não pularia da
marquise, mas não sabia como, pois as pessoas estavam muito distantes. Olhou
para baixo e avistou dois carros encostando perto da multidão: um era da
polícia e o outro era da TeleNews, um telejornal famoso na cidade. “Isso não
vai dar certo”, concluiu o empregado. Um policial baixinho pegou o megafone e
anunciou:
- Senhor, colocaremos um colchão pra você pular aqui!
Irritado, o empregado deu de ombros e fez uma coisa que ninguém
imaginava: entrou no prédio e voltou a trabalhar. Ainda era possível ouvir as
pessoas lá embaixo lamentando, pelo menos algumas delas.
Não posso saber, leitor,
o que pensará dessa continuidade após lê-la, a menos que se permita brindar-nos
com um comentário aqui. De minha parte, destaco três aspectos que me pareceram
relevantes na produção de Miguel Araujo.
O primeiro está
relacionado à noção de contexto; sem essa noção, sem a compreensão de que os
fatos se circunscrevem em eventos contextuais, ele não teria conseguido
complementar a contento os parágrafos iniciais por ele selecionados.
O segundo me apareceu na
presença de certo humor, quase ironia, na situação que criou, baseada na confusão
gerada pelo fato de o operário sentar-se “[...] à beira da marquise, com as
pernas balançando no espaço”[...], somente para se deliciar com umas tragadas
em meio cigarro, e por conta disso despertar nas pessoas que o viam reações do
tipo “- Não faça isso, pense nos seus filhos! Quer deixá-los sem pai?!”, ao que
ele, operário, reage (risonho?), pensando “Mas eu nem tenho filhos”.
O terceiro está
diretamente conexo a sua percepção do quanto muitas pessoas podem carregar
dentro de si o desejo do trágico, do sinistro, do nefasto, do patético, quando
seu narrador declara (incrédulo?), na última linha, a reação das pessoas, após
perceberem que o trabalhador entrava no prédio para retomar sua atividades: “Ainda
era possível ouvir as pessoas lá embaixo lamentando, pelo menos algumas
delas.”.
São
olhares meus! E você, leitor, o que diz a respeito?
Até
breve.